
Aos finais de semana eu costumo fazer caminhadas e até arrisco uma breve corrida pelas ruas da Cidade Universitária, principal campus da Universidade de São Paulo (USP), localizado na região do Butantã. Em meio às árvores e canto de pássaros, a tranquilidade impera por lá aos domingos, quando o campus é restrito para aqueles que têm vínculo com a universidade. Imagine uma área de mais de 7 milhões de metros quadrados com apenas algumas dezenas de usuários, é o verdadeiro paraíso.
Nessas andanças eu costumo cruzar com alguns pontos icônicos locais como o relógio de sol, obra criada em 1985 pelo escultor Franco Fraccaroli, a praça do Oceanográfico, que abriga os famosos Instituto Oceanográfico e o IME – Instituto de Matemática e Estatística, o prédio da FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, a escultura em forma de laço criada em 2008 pela artista Tomie Ohtake para comemoração dos 60 anos da Faculdade de Economia e Administração e o Monumento a Ramos de Azevedo, obra do escultor ítalo-brasileiro Galileo Emendabili inaugurada em 1934.
Além do ar puro, o passeio costuma ser uma verdadeira aula de arte com o viés histórico do passado e presente paulistano.
Uma nova biblioteca
Em 2002 o professor István Jancsó, pertencente ao Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB), e o bibliófilo José Mindlin começaram a conceber um projeto de um moderno edifício capaz de receber duas importantes coleções bibliográficas, uma pertencente ao IEB e outra pertencente ao próprio Mindlin. O local escolhido para a construção foi um lindo gramado atrás da reitoria, meio em forma de rampa, onde brinquei por diversas vezes com minha filha Isabella quando ainda era bem pequena.
Orçamento aprovado em 2006 (cerca de 130 milhões de reais) a obra levou sete anos para ficar pronta. Foi inaugurada em março de 2013 em imponente construção inspirada em conceituadas bibliotecas internacionais como a Beinecke Rare Book & Manuscript Library, da Universidade de Yale nos Estados Unidos, e a Biblioteca Sainte-Geneviève, de Paris, na França.
O complexo que abriga a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, abriga também o IEB, a livraria da Edusp, o Auditório István Jancsó e algumas salas de aula e de exposição. Foi construído nos melhores moldes da sustentabilidade, priorizando a iluminação natural, captando a luz solar e promovendo a economia de energia.
Acervo requintado
José Mindlin e sua esposa Guita conservaram por várias décadas um acervo literário de cerca de 32 mil títulos, entre os quais, obras raras como o original de “Vidas Secas” de Graciliano Ramos e uma edição portuguesa de 1740 do “Discurso sobre a História Universal” de Bossuet. Durante essa etapa da vida de ambos, a paixão pelos livros e pelo conhecimento se tornou algo incondicional, refreada apenas pela chegada de suas mortes – Guita morreu em 2006 e José Mindlin em 2010.
A coleção de livros da família Mindlin, que se iniciou em 1927, foi transferida aos poucos para a nova e moderna casa na USP e desde 2009 parte deste rico acervo vem sendo digitalizada e oferecido na Internet pelo endereço http://www.bbm.usp.br/. A idéia é promover a ampla abertura dessa literatura a pesquisadores nacionais e internacionais. Jaime Rodrigues, professor do Departamento de História da Unifesp é um exemplo dos já beneficiados pela abertura. Sua pesquisa sobre cultura marítima nas embarcações entre os séculos XVI e XIX foi enriquecida com as versões literárias originais encontradas no site da Brasiliana. Outro exemplo foram os convênios realizados com a Oliveira Lima Library, em Washington, e a John Carter Brown Library, em Rhode Island, ambas nos Estados Unidos. Com elas a Brasiliana está trocando obras digitais, ampliando o acervo individual de cada uma.
Com essa nova e grandiosa obra, a USP consegue promover a ressonância da cultura brasileira de forma democrática, permitindo que muitos tenham acesso ao rico conhecimento das informações ali acumuladas. E embora seja um feito singular devido à falta de tradição de doações no país, deve ser comemorado.
Publicado na edição nº 9865, 16 e 17 de julho de 2015.