Corromper ou participar

0
396

Luciana Quierati

Ao se debruçar sobre o tema “Ética e Política” no documentário O mercado de notícias, do cineasta Jorge Furtado, lançado no ano passado e que analisa os rumos do jornalismo, Bob Fernandes – um dos treze jornalistas entrevistados para o filme – afirma que a classe política brasileira está estigmatizada como corrupta por uma sociedade que, no seu dia a dia, é tão corrupta quanto.
Não que o estigma não seja devido; afinal, corrupção envolvendo dinheiro público há e bastante. Tampouco toda a sociedade está nivelada a esse patamar. Fato é que se torna fácil estigmatizar quando se acredita que o errado é sempre o outro. Quando se cobra correção do vizinho ao mesmo tempo em que se sonega impostos, se compra carteira de motorista ou se corre para o grupo do Whatsapp ou Twitter a fim de avisar os amigos onde está ocorrendo blitz da polícia.
As manifestações de junho de 2013 encheram as páginas de jornal, as redes sociais. Viraram documentário. Intimidaram. Mas delas participaram – entre tantos outros, é claro – pessoas que num dia clamavam por um governo sem mácula e, no outro, molhavam a mão de assessores de governo para garantir vitória em concorrência. Afinal, a empresa desse cidadão precisa vencer o edital para continuar pagando os salários de seus funcionários. Esse foi o argumento que eu, que também fui às ruas, ouvi de um dos manifestantes dias depois das passeatas. E ter que engolir que “é assim que funciona” foi de doer. É o tal do “eu posso, o outro não pode e o governo também não”. Como se as tais mãos que você molha para ganhar uma concorrência não se constituíssem em governo. Incongruência!
Na segunda-feira (8), consulta pública foi lançada em nível nacional para que a população sugira medidas de combate à corrupção. Ficará aberta até 8 de julho, na internet (http://participacao.mj.gov.br/anticorrupcao). Claro que pouco adianta dar sugestão neste caso se não se faz o dever de casa contra as próprias atitudes corruptoras. Também é irrisório dizer que não se é corruptor e que, bem por isso, sua parte já está feita. A democracia não só permite como exige participação, construção coletiva.
Como lembra o jornalista José Roberto de Toledo no mesmo documentário, foi bastante sábio o historiador inglês Arnold Toynbee (1889-1975) ao dizer que “o maior castigo para aqueles que não se interessam por política é que serão governados pelos que se interessam”. E tão sábio quanto Toynbee foi o próprio Toledo ao lembrar que “se estigmatizarmos os políticos ao ponto de a política não se tornar viável, vamos ter um grande problema em nossas mãos, porque ainda não criamos um sistema melhor que este”.
Cabe a cada um fazer a sua parte. De forma sensata. Em favor do todo.

 

 

(Colaboração de Luciana Quierati, jornalista, ex-redatora e repórter da Gazeta de Bebedouro, mestranda em Comunicação pela Unesp-Bauru)

(…)

Leia mais na edição nº 9853, dos dias 13, 14 e 15 de junho 2015.