Crescer não é solução: é agravar o problema

José Renato Nalini

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O fenômeno da judicialização da vida brasileira continua insolúvel. É comentado na academia e, vez ou outra, na mídia espontânea. Todavia, não é enfrentado como deveria ser. Impera uma visão anacrônica do sistema Justiça e prepondera a inércia. Nutrida pelo corporativismo que contamina as múltiplas carreiras jurídicas.
A resposta convencional para a disfuncionalidade da Justiça é a insuficiência de quadros pessoais. Faltam juízes, faltam funcionários, cuja expansão é contínua e cujos custos nem sempre merecem adequada análise. A qualquer reparo, sobrevém a clássica resposta: a soberania não tem preço. A Democracia se caracteriza por manter escancaradas as portas de acesso ao Judiciário.
Não se fez ainda a profunda reforma estrutural do Poder Judiciário. Ele é sofisticado para uma República tão carente como é o Brasil. Não se justifica a preservação de cinco Justiças, duas delas comuns, se a nossa codificação é nacional. Incide igualmente sobre todos os cidadãos, sejam eles residentes em qualquer dos Estados-membros. Na verdade, invocando Franco Montoro, as pessoas não nascem na União, nem no Estado. Nascem no município.
Duas Justiças chamadas “comuns” servem para suscitar conflito de competência. Fora uma Justiça unificada, a Justiça nacional, poupar-se-iam escassos recursos que poderiam ser destinados a setores mais necessitados: educação, saúde, saneamento básico.
Um dos discursos da superioridade da Justiça Federal é a sua função de arrecadadora de tributos. Já ouvi eminentes representantes proclamarem os trilhões que resultam de uma atuação profícua dos setores de Execução Fiscal.
Ora, se há um evidente equívoco no funcionamento do Judiciário é torna-lo cobrador de impostos. Função administrativa, eminentemente burocrática, mereceria um choque de eficiência fosse delegada às serventias do chamado foro extrajudicial.
A mais inteligente estratégia do constituinte de 1988 foi delegar uma atividade estatal ao particular, para que a exerça em caráter privado, por sua conta e risco, sob a vigilância austera do Judiciário Estadual, encarregado de selecionar os quadros funcionais dos delegatários.
O Estado não coloca um centavo nessa atividade, sustentada por emolumentos, que propiciaram um avanço na informatização, no uso das modernas tecnologias, que deixaram o próprio Judiciário a anos-luz de distância. Por sinal, é a colaboração do extrajudicial que permitiu à Justiça implementar algumas das novidades consideradas exemplares para aprimorar o funcionamento da máquina. Falo das audiências de custódia e, em São Paulo, uma experiência exitosa que foi o “Cartório do Futuro”.
Se as serventias assumissem o volume das execuções fiscais que, a cada final de ano, são arremessadas aos Tribunais para uma pífia arrecadação, desde logo o Judiciário seria aliviado de ponderável percentual de demandas.
A Quarta Revolução Industrial já impôs mutações profundas à sociedade e o Judiciário precisará se adequar à eliminação de operações automáticas, empregar a Inteligência Artificial, eliminar rotinas e reduzir a invencível burocracia, raiz de nefasto atraso ao verdadeiro desenvolvimento nacional.
Não é crescer, quantitativamente, que fará o Judiciário tornar-se eficiente. É absorver as tecnologias disponíveis, capacitar seus quadros, a partir da Magistratura, levar a sério a seara da composição consensual de conflitos, solucionar efetivamente os problemas da população. Não fazê-la contribuir ainda mais, com evidente sacrifício, para o sustento de um gigantismo que não tem qualquer vínculo com a verdadeira outorga da justiça pela qual os humanos continuam a aspirar.

(Colaboração de José Renato Nalini, Reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Presidente da Academia Paulista de Letras – 2019-2020).

 

Publicado na edição nº 10485, de 13 a 15 de maio de 2020.