A corrida eleitoral para escolha do(a) novo(a) presidente dos Estados Unidos está pegando fogo. O candidato Trump, que já ocupou a cadeira mais importante do mundo de 2017 a 2021, é o homem indicado pelo Partido Republicano para a disputa da presidência do país. Já no polo progressista, representado pelo Partido Democrata, a provável indicada para a disputa eleitoral é Kamala Harris, atual vice-presidente da nação (a confirmação de seu nome deve ocorrer na convenção do partido que será realizada no mês de agosto). Corre por fora o nome de Robert Kennedy Jr., em candidatura independente para a presidência, cujas chances de êxito são ínfimas. Somados à polarização dos eleitores dos Estados Unidos, às diferentes visões de mundo dos prováveis candidatos e ao peso e importância do cargo em disputa, o pleito de novembro próximo tem tudo para afetar também o Brasil.
No campo doméstico, as eleições presidenciais de novembro devem opor ideias conservadoras e progressistas sobre temas como imigração, assistência à saúde, identidade de gênero e transição energética. No campo internacional, o pleito divide diferentes opiniões sobre a participação e posição dos Estados Unidos em disputas militares e geopolíticas, no relacionamento com as demais grandes potências mundiais e no financiamento e desenvolvimento de organismos multilaterais, como a ONU e a OTAN, de crucial importância para a ordem e a paz mundiais. Nesse sentido, as ideias distintas sobre temas tão importantes colocam o mundo em suspense, na medida em que a definição do mandatário norte-americano ainda influencia substancialmente as relações e negócios entre países e a ordem mundial.
Contudo, no que diz respeito aos potenciais impactos do resultado das eleições nos Estados Unidos para o Brasil, há importantes aspectos em jogo, tanto no campo econômico quanto no diplomático. Caso Trump seja eleito para mais um mandato, espera-se uma continuidade de sua política econômica protecionista, a qual deve incluir a imposição de tarifas sobre produtos importados e o foco no setor produtivo doméstico – a consolidação do projeto “America First”. Isso pode dificultar ou até inviabilizar o acesso de produtos brasileiros ao mercado norte-americano, afetando importantes setores da economia brasileira, como o agronegócio e a manufatura, que possuem forte dependência das exportações para os EUA. Além disso, a provável postura do governo Trump em relação ao comércio internacional e aos acordos multilaterais pode tornar mais desafiadora a posição do Brasil nas negociações comerciais globais.
Por outro lado, uma vitória de Kamala Harris poderia sinalizar uma mudança significativa nas relações entre Brasil e Estados Unidos. Harris, caso seja efetivamente candidata e ganhe a eleição, provavelmente adotaria uma abordagem mais colaborativa em relação aos acordos internacionais e ao comércio global, o que poderia beneficiar direta ou indiretamente o Brasil. Além disso, Harris tem um histórico de apoio a políticas ambientais rigorosas e de combate às mudanças climáticas, o que, no caso, poderia contribuir para o desenvolvimento de mecanismos de vigilância e rastreabilidade no Brasil, com aumento de custos de produção em um primeiro momento. Isso poderia pressionar o governo e o setor produtivo brasileiros a adotar medidas mais efetivas de proteção ambiental, especialmente em relação ao bioma amazônico, em troca de relações comerciais mais favoráveis e cooperação internacional. Uma leve pressão ao já complexo posicionamento do Brasil aos olhos do mundo no que tange à preservação ambiental, ainda que o país seja, no geral, um grande preservador das florestas e da vegetação nativa, comparativamente aos demais países do mundo.
No mais, a vitória de qualquer um dos candidatos na eleição de novembro terá implicações na política externa do Brasil. Uma administração Trump poderia apresentar entraves com o governo brasileiro atual, que não compartilha algumas visões ideológicas, especialmente no que tange ao conservadorismo e às políticas anti-imigração, do candidato republicano. Já uma presidência de Harris poderia trazer benefícios para o Brasil, uma vez que a representante dos Democratas provavelmente defenderia uma agenda de direitos humanos e democracia mais rigorosa, exigindo de nosso país e nossas instituições um maior compromisso com tais valores – um desafio no cenário atual brasileiro, em certa medida. Em suma, independentemente do vencedor, a eleição nos Estados Unidos poderá trazer mudanças que o Brasil precisará navegar com cautela e estratégia geopolítica, a fim de que colha bons frutos na importante relação com o irmão do norte.
(Colaboração de José Mário Neves David, advogado, conselheiro e consultor. Contato: [email protected]).
Publicado na edição 10.860, de sábado a terça-feira, 27 a 30 de julho de 2024 – Ano 100