Limpeza étnica numa visão americana

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Quem acha que foram os nazistas os inventores do conceito de limpeza étnica, purificação de raças e eugenia pode começar a repensar as idéias. Embora a história tenha nos bombardeado com informações acerca das ações de Hitler e sua gang durante a Segunda Guerra Mundial, ela nos contou somente uma meia-verdade. Os Estados Unidos, já no início do século XX, promoviam congressos internacionais sobre eugenia – palavra de origem grega onde EU significa bom e GENICS significa origem. Os objetivos eram claros: melhorar a espécie humana através da genética, da esterilização e da reprodução controlada que eliminasse os defeitos hereditários, os problemas morais de decadência, o crime e as doenças sociais como alcoolismo e doenças venéreas.

Falando da verdade inteira

O movimento eugênico começou a tomar forma nos Estados Unidos em 1903, quando foi criada a Estação para a Evolução Experimental, cujo principal objetivo era financiar projetos de esterilização de ineptos, os quais começariam a ocorrer já no ano seguinte, em 1904. Agentes de campo iam às casas, às prisões, aos hospitais e instituições à procura de surdos, cegos, e doentes mentais. Num primeiro momento apenas coletavam dados e estudavam registros de saúde de cada um deles; num segundo, iniciavam o processo de esterilização sem qualquer mecanismo legal ou oficial aprovado.
Em 1907 o estado de Indiana promulgou a primeira lei oficial de esterilização norte-americana e no ano seguinte foi a vez do estado de Connecticut. Em 1914 o estado americano da Virgínia iniciou o seu processo de esterilização focando nos denominados socialmente inadequados, como cegos, surdos, deformados, órfãos e sem-teto. Em 1924 esse mesmo estado promulgou uma lei que impedia qualquer casamento de uma pessoa branca com alguma outra que possuía vestígios de sangue não caucasiano. Em 1937 mais de 60% dos estados norte-americanos já estavam praticando a esterilização de cidadãos considerados indesejáveis ou degenerados.

Um exemplo para Hitler

Margaret Sanger talvez tenha sido a personagem de maior destaque no movimento eugênico norte-americano. Foi ela a fundadora da primeira clínica de controle de natalidade (1916) e da Liga Americana de Controle de Natalidade (1921). Em sua tese de 1932, chamada “Plano para Paz”, deixa claro os seus ideais de sociedade, escrevendo sobre uma política rígida e inflexível de esterilização. Alguns estudiosos fazem uma comparação entre os pensamentos de Sanger e de Hitler, revelando incríveis semelhanças nos discursos de ambos. Alguns até insinuam que parte da ideologia e pronunciamentos de Hitler advieram dos pensamentos de Sanger.
Sanger escreveu: “Preferimos a política da esterilização imediata e de garantir que a paternidade/maternidade seja inteiramente proibida para os débeis mentais”.
Hitler escreveu: “A natureza é cruel. Portanto, temos também o direito de sermos cruéis… não deveria eu ter o direito de eliminar milhões de uma raça inferior que se multiplicam feito praga?”.
Outros fatos também corroboram com essa idéia. Por exemplo, Dr. Ernst Rüdin, chefe do programa nazista de eugenia chegou a manter contato com Sanger e seu pensamento eugênico antes de escrever as leis de esterilização da Alemanha, em 1933. E hoje há poucas dúvidas de que tenha escolhido os princípios eugênicos norte-americanos como modelo para escrevê-las.
Tudo indica que Hitler, a partir do momento que se tornou chanceler do Terceiro Reich, pressupôs que muitos no ocidente tinham a mesma filosofia e concordariam com o seu plano de tornar a esterilização um dos elementos-chave de seu plano para a Alemanha.
Talvez estivesse certo, talvez conquistasse mais amigos do que inimigos para levar o seu plano adiante; mas, a história uma vez mais quis por bem achar um herói e um vilão para o seu enredo. Hitler foi o vilão e como todo bom vilão, não teve um final feliz. Ironicamente, nesta mesma história, os Estados Unidos foram os heróis.

(Colaboração de Wagner Zaparoli, natural de Bebedouro, doutor em Ciências pela USP, mestre em Ciência da Computação, professor de lógica e consultor. E-mail: [email protected]).

Publicado na edição nº 9608, dos dias 10 e 11 de outubro de 2013.