O leite-veneno

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Em 2013, o Ministério Público do Rio Grande do Sul deflagrou uma operação denominada Leite Compensado para investigar laticínios e produtores da região que adulteravam o leite disponibilizado para a população. Logo na primeira etapa das investigações, identificou-se que haviam sido adulterados entre 10 e 15 milhões de litros de leite com formol, produto cancerígeno ao ser humano. Na ocasião, oito pessoas em cinco cidades do estado foram presas e quatro empresas tiveram seus nomes envolvidos: Italac, Líder, Mu-Mu e Latvida.
Daquela época até a presente data, 12 etapas da operação Leite Compensado já foram realizadas e outros milhões de litros de leite adulterado foram descobertos, envolvendo marcas de renome nacional no mercado de laticínios como a Parmalat.

Negócio bem lucrativo

Não bastasse produzir e vender o leite dentro dos padrões adequados ao consumo humano, obtendo os seus devidos lucros e se estabelecendo como empresas respeitadas no mercado, alguns participantes dessa ciranda que comercializa laticínios, em especial o leite e o creme de leite, não se dão por satisfeitos. Ignoram a ética, a moral e os princípios de cidadania e levam ao público consumidor aquilo que de pior poderiam realizar: um produto adulterado, podre, extremamente nocivo à saúde. Tudo pela ganância de faturar e ganhar mais dinheiro.
Foi exatamente o que aconteceu na 12ª etapa da operação conduzida pelo Ministério Público, envolvendo as empresas Laticínios Rancho Belo, Laticínios Modena e Laticínios C&P. Todas elas são acusadas de adulterar leite e creme de leite. Em uma delas, funcionários estavam recuperando creme de leite estragado, adicionando água, soda e outros neutralizantes para que o produto voltasse às prateleiras dos supermercados e fosse vendido ao consumidor como produto fresco e válido. Alguns dos responsáveis por esse crime hediondo já foram presos e podem pegar de quatro a oito anos de prisão. Entretanto, a maioria das empresas investigadas e citadas nas etapas da operação ou não se manifestaram ou apenas mencionaram que tudo não passa de fatos isolados. Como acreditar?

Tecnologia dedo-duro

De acordo com a Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, o leite é um dos sete alimentos com maior incidência de adulterações no mundo, assim como o azeite, mel, açafrão, café, e sucos de laranja e maçã.
Pensando nesse cenário negativo, os pesquisadores Edenir Rodrigues Pereira Filho e Poliana Macedo dos Santos, ambos da Universidade Federal de São Carlos, desenvolveram um método rápido, simplificado e barato de checar se uma determinada amostra de leite foi adulterada com algumas das mais comuns substâncias utilizadas para esse fim, entre elas a água de torneira, usada para aumentar o volume de leite, o soro, usado para mascarar a adição de água, a urina sintética, também utilizada para encobrir o acréscimo de água, o leite sintético, uma mistura de água, detergente, óleo e uréia, e por fim, o peróxido de hidrogênio, utilizado para inibir a proliferação de bactérias e aumentar o prazo de validade do produto.

O método

Algumas gotas de bromofenol – um corante azul que facilita a visualização das adulterações, um escâner de mesa e um software de reconhecimento de imagens são os três elementos principais que compõem o pacote que os pesquisadores de São Carlos criaram para checar amostras de leite e identificar aquelas que possuem certa concentração de produtos estranhos à sua composição.
O processo de verificação é bem simples: (1) coloca-se uma pequena amostra de leite em um copo de laboratório, adiciona-se algumas gotas de bromofenol e gera-se uma imagem do fundo do copo utilizando um escâner; (2) a imagem é enviada a um computador que a compara com cerca de mil imagens de leite adulterado; (3) caso haja coincidência entre uma ou mais imagens do computador e da amostra, imediatamente é apresentada uma mensagem de adulteração.
De acordo com os pesquisadores, esse método acaba por ser vantajoso sobre demais técnicas existentes, por ser de baixíssimo custo, rápido (análise em tempo real) e portátil, que poderia ser levado a campo. E em um cenário devastador como tem se mostrado o mercado do leite e derivados, um novo método de detectar fraudes sempre é muito bem vindo, afinal, com a saúde da população não se brinca.

Publicado na edição nº 10160, de 3 e 4 de agosto de 2017.