O mundo é um moinho

0
607

A história é de uma das composições mais bonitas de Cartola.

Em 1976, o fundador da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, Cartola, gravou uma das mais belas canções da MPB, “O Mundo é um Moinho”. Todo mundo que escuta o lamento sentimental em quatro estrofes, pensa que o cantor está se despedindo de um amor, mas a verdadeira história é muito mais interessante.
Os versos são frases do padrasto Cartola para a enteada, filha de Dona Zica, sua esposa. A moça queria ir embora de casa e não houve quem conseguisse convencê-la a desistir. Magoado, Cartola fez os versos, que sem licença, faço uma leve alteração.
“Ainda é cedo amor, minha filha. Mal começaste a conhecer a vida. Já anuncias a hora da partida. Sem saber mesmo o rumo que irás tomar. Preste atenção, mocinha. Embora eu saiba que estás resolvida, em cada esquina cai um pouco a tua vida, em pouco tempo não serás mais o que és. Ouça-me bem, minha filha. Preste atenção, o mundo é um moinho. Vai triturar teus sonhos, tão mesquinhos. Vai reduzir as ilusões a pó. Preste atenção, menina. De cada amor tu herdarás só o cinismo. Quando notares estarás à beira do abismo. Abismo que cavaste com os teus pés”.
Nascido em 11 de outubro de 1908, falecido em 30 de novembro de 1980, Angenor de Oliveira, nasceu e morreu pobre no Rio de Janeiro. Ganhou o apelido porque, quando era pintor de parede, para não manchar os cabelos de tinta, colocava uma chapéu parecido com uma cartola. O típico bom humor dos colegas de trabalho ironizaram o refinamento, o apelidando de Cartola.
Compositor de samba desde a década de 20, apenas aos 66 anos, em 1974, foi gravar seu primeiro disco solo. Mas em 1931, teve uma de suas composições “Que Infeliz Sorte”, gravado por Francisco Alves. Neste intervalo, a vida foi de pura dificuldade, decepções e desilusões, porém, nunca de desesperança.
Por isto, quando dava conselhos à enteada, que ele considerava sua filha, Cartola estava carregado de experiência para dizer para ela, o que era a vida.
A história deste samba, ouvi da boca de um compositor bebedourense, Fauze Bazzi, que além de escrever e cantar bem, estuda muito MPB.

Publicado na edição nº 9660, dos dias 18 e 19 de fevereiro de 2014.

COMPARTILHAR
Artigo anteriorEvolução a vista
Próximo artigoBate-papo