Pais e filhos

José Mário Neves David

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Inicialmente, peço licença aos estimados leitores para escrever brevemente sobre um tema que em nada guarda relação com as especificidades do mundo jurídico, econômico ou político. No artigo de hoje, resolvi discorrer sobre a essência da relação que eu, em minha relativamente breve vida, considero como a mais forte e intensa que possa haver: a existente entre pais e filhos.
Com a ousadia dos (nem tão) jovens e o atrevimento de uma pessoa que ainda não teve o privilégio e a responsabilidade de ter filhos, escrevo aqui sob a perspectiva de alguém que teve um pai e uma mãe que foram e são, além de grandes exemplos e referências, meus melhores amigos. Para mim, a essência da relação entre progenitores e descendentes é, além da responsabilidade legal, material e moral dos pais pela criação do(s) filho(s), a existência e o cultivo de uma grande e inabalável amizade, fundamentada na confiança, no prazer em estar junto, na troca de confidências e opiniões e no mais puro e verdadeiro amor.
Essa relação, por certo, tem variadas fases. Quando somos pequenos, nossos pais são nossos heróis, aqueles seres indestrutíveis cuja simples presença já nos conforta e alegra. Não há verdade fora daquela relação: nossos pais sabem tudo e as respostas para nossas intermináveis perguntas se tornam lei. Com o passar do tempo e a chegada da adolescência, os filhos podem sentir certo “bode” dos pais, aqueles seres que nos impedem de fazer o que queremos, mas que, no fundo, apenas querem nos proteger dos males do mundo e da nossa necessidade de provar, a todos e a todo tempo, que não somos mais crianças – às vezes, fazendo besteiras.
Quando a idade adulta chega, nossos pais já não vestem mais aquela capa de super-heróis. Suas falhas, inseguranças, fraquezas e susceptibilidades vêm à tona, mas eles passam a, indubitavelmente, ocupar a posição de nossos grandes e verdadeiros amigos (já eram, mas não tínhamos tanta certeza assim), aqueles que, não importa o que aconteça, estarão ao nosso lado – exceto se insistirmos em cometer os erros da adolescência, quando, sabiamente, deverão nos deixar assumir a responsabilidade por nossos erros. Faz parte da vida, e deixar aquele adulto sentir o ônus de suas atitudes é um grande gesto de amor, afinal, o mundo lá fora não é feito de pessoas tão legais quanto nossos pais. Já na velhice do pai e da mãe, a vida dá uma pirueta e os filhos assumem a função de pais dos seus “velhos”, devolvendo todo o carinho, paciência e atenção àqueles que foram e são nada menos do que tudo para nós. Passamos a ser pais em período integral: cuidamos dos nossos próprios filhos e de nosso pai e mãe.
Apesar de todas as fases acima, há sempre um elemento comum que permeia toda essa relação, que é a amizade. Muitos dirão que é o amor, no que concordo, mas, para mim, a amizade entre pais e filhos é única. O amor entre criadores e criatura(s) é belo e genuíno, mas pode ser tão intenso quanto o amor pela companheira ou companheiro, pelos nossos filhos, pelos irmãos, por um animal de estimação, dentre outras possibilidades; a amizade entre pais e filhos, contudo, é única. Podemos ter muitos e bons amigos, aqueles que consideramos e prezamos tanto, mas nenhum será tão amigo quanto nossos pais, o porto seguro de nossa existência. E quando eles se vão, a perda é dupla, pois perdemos não apenas o pai/mãe, mas também o melhor amigo/amiga, por isso a dor tão intensa, que com o tempo se transforma em doce saudade.
Que cada filho possa desfrutar da verdadeira amizade de seus pais, e que cada pai e cada mãe tenha consigo a certeza de que o(s) filho(s), apesar das fases mais complicadas, contestadoras e rebeldes, terão em seus pais sempre a personificação da verdadeira amizade. Vamos vivendo as fases, as dores e as delícias dessa relação tão bela e única. Obrigado pela licença, caro leitor. Voltaremos, no próximo artigo, aos temas jurídicos, econômicos e políticos.

(Colaboração de José Mário Neves David, advogado em São Paulo-SP. Contato: [email protected]).

 

Publicado na edição nº 10443, de 9 a 14 de novembro de 2019.