Praça Valêncio de Barros: o antigo “Jardim Misterioso”

José Pedro Toniosso

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Vista aérea da Praça Valêncio de Barros na década de 1950, após completa remodelação realizada pelo poder público municipal. Foto: Acervo do autor

Durante muitos anos a praça Valêncio de Barros, localizada na região central de Bebedouro, em frente ao prédio da Prefeitura Municipal, carregou a fama de ser assombrada, por conta de lendas que insinuavam a aparição de vultos no seu interior, especialmente no período noturno.

Tal popularidade decorria do passado daquele local, pois até os últimos anos do século XIX ali estivera instalado o primeiro cemitério da cidade, construído por volta de 1880, quando Bebedouro era apenas um arraial.

Na passagem do século XIX para o XX houve a mudança do cemitério para o local em que se encontra atualmente, sendo para lá transferidos os restos mortais daqueles que haviam sido enterrados na primeira necrópole.

Já naqueles tempos existiam algumas lendas sobre o lugar, conforme foi registrado em reportagem da ‘Gazeta de Bebedouro’ publicada em junho de 1946: “Conta-se (…) que em certa noite tempestuosa, um bailado de fantasmas apavorava os transeuntes que se avizinhavam do velho cemitério. Atônitos e espavoridos, correram para o centro da Vila a bradar por socorro, despertando assim os pacatos moradores de Bebedouro, que, naquele tempo, se recolhiam cedo aos seus lares”.

Com o objetivo de revitalizar a área, talvez para apagar sua imagem funesta, no início da década de 1910, o poder público promoveu seu ajardinamento com ruas simétricas, plantação de ingazeiros e margeamento interno dos canteiros com plantas “bico de papagaio” e “coroa de Cristo”, além da instalação de bancos de madeira. No entorno, duas imponentes construções surgiram: o Primeiro Grupo Escolar e a Câmara Municipal (atual Prefeitura). Em 1912, a praça passou a ser denominada “Valêncio de Barros”, que fora prefeito no período de 1908 a 1910.

No entanto, apesar da revitalização, as lembranças da existência de um cemitério no local fizeram com que continuasse o estigma de ser mal-assombrado, principalmente no período noturno, quando a parca iluminação era insuficiente para clarear as sombras dos ingazeiros.

Outro relato sobre a fama da praça foi registrado pelo pesquisador Arnaldo B. Cristianini: “Por muito tempo ainda se acendiam velas ali. Contavam-se lendas. Aparições noturnas e fogo que saía da terra. As aparições ocorriam por conta dos supersticiosos, mas o foguinho era nada menos que o fogo-fátuo, isto é, a combustão espontânea de gases emanados dos ossos que se caleinavam. Mas o povo julgava ser coisa do outro mundo. Muita gente se persignava ao passar por ali à noite. Ficou sendo o “Jardim Misterioso”.

No início da década de 1950, no mandato do prefeito Pedro Paschoal, a praça passou por completa remodelação, adquirindo formato circular, enquanto nas esquinas foram construídos quatro canteiros triangulares, sendo fixado no centro de cada um grande vaso ornamental com figuras mitológicas. Além disso, todo o entorno da praça foi calçado com paralelepípedos.

Todos os ingazeiros que se encontravam no interior da praça foram derrubados, o que foi feito com a colaboração da ‘Empresa de Mecanização Agrícola, que disponibilizou seu maquinário. No mesmo período ocorreu a total remodelação da praça Abílio Alves Marques, em frente à Santa Casa.

A inauguração oficial das duas novas praças ocorreu em novembro de 1952, com a presença do governador Lucas Nogueira Garcez, recebido pelas autoridades locais e grande massa popular, incluindo representações de todas as escolas bebedourenses.

No centro da praça Valêncio de Barros foi fixado o monumento dedicado ao Padre José de Anchieta, inaugurado em 15 de outubro de 1953, como resultado de uma campanha realizada por professores junto à comunidade bebedourense.

A partir de 4 de julho de 1960 a quadra em que está localizado o prédio da Prefeitura Municipal deixou de ser denominada “Valêncio de Barros”, pois com a aprovação da Lei municipal no. 425, recebeu o nome de “José Stamato Sobrinho”.

No final da década de 1980, por conta da reforma e ampliação do prédio do Paço Municipal (Prefeitura), ocorreu nova remodelação da Valêncio de Barros, incluindo ajardinamento, iluminação, calçamento e outras melhorias, além da troca dos paralelepípedos por asfaltamento em todo o entorno. Com as remodelações, gradativamente a praça perdeu a aura de mal-assombrada, enquanto o nome “Jardim Misterioso” ainda se mantém presente apenas na memória dos moradores mais antigos.

(Colaboração de José Pedro Toniosso, professor e historiador bebedourense. www.bebedourohistoriaememoria.com.br).

Publicado na edição 10.897, de sábado a terça-feira, 18 a 21 de janeiro de 2025 – Ano 100