Rastros do passado

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Araraquara, cidade distante 280 km de São Paulo, possui uma das maiores amostras do passado cretáceo da Terra, quando dinossauros dos mais variados tipos reinavam absolutos. Há mais de 100 milhões de anos a região possuía uma estrutura geológica bem diferente da atual, contendo longas dunas em um cenário praticamente desértico.
Diz a história que na década de 1970 o paleontólogo italiano Giuseppe Leonardi visitou a cidade para um tratamento dentário e observou inúmeros rastros da presença de dinossauros que ali viveram entre o final do período jurássico e o início do cretáceo, período esse que contemplou o ápice do ciclo evolutivo desses animais. Tratava-se de pegadas fossilizadas em solo arenito, que por ação de milhões de anos da natureza foram preservadas até os dias atuais.
Leonardi, fascinado pela descoberta, voltou inúmeras vezes à cidade para melhor analisar as pegadas, algumas das quais puderam ser identificadas como sendo do ornitópode, dinossauro herbívoro que atinge cinco metros de comprimento e três de altura. Uma análise mais apurada realizada pelo também paleontólogo Marcelo Adorna Fernandes da Universidade Federal de São Carlos, mostra uma grande variedade de outros animais, como escorpiões, besouros e vermes pré-históricos que deixaram suas marcas encravadas nas pedras que hoje recobrem as calçadas da cidade.
Embora Araraquara possua um museu de paleontologia para preservar e contar um pouco dessa história, são nos mais de 100 km lineares de calçadas a céu aberto que a história se mostra bem representada. E o interessante é que mesmo sendo reconhecida internacionalmente como patrimônio histórico científico, boa parte da população do município desconhece ou valoriza esses achados, tanto que muito dos vestígios remanescentes de milhões de anos, estão se desgastando pela ação humana.

Os dinos de Souza

A Paraíba, como Araraquara, também serviu de palco para o desenvolvimento dos grandes repteis. Souza, situada no sudoeste do estado em pleno sertão nordestino, tem sido objeto de estudo dos paleontólogos Ismar Carvalho, Giuseppe Leonardi (olhe ele aí de novo) e Leonardo Borghi. As rochas ali presentes se formaram por sedimentos acumulados em milhões de anos, antes mesmo da separação da América do Sul e África no início do período cretáceo há cerca de 140 milhões de anos.
A região, que abrigava rios e lagos, era um oásis para vários tipos de animais. Para se ter ideia, a lama transformada em rocha registrou a presença de quase 400 indivíduos entre dinossauros, crocodilos, sapos e tartarugas. Mesmo as gotas de chuva deixaram lá suas marcas.

Pegadas para sempre

Um dos motivos que levaram os três paleontólogos a estudar os fósseis de Souza foi entender como um terreno formado por lama há tanto tempo se manteve preservado das intempéries climáticas. Embora de clima ácido, que corroia os ossos dos animais mortos não permitindo a sua petrificação para a posteridade, Souza guardou uma história impressionante sobre a passagem dos dinossauros. Há trilhas feitas por grandes bandos de saurópodes – imensos herbívoros quadrúpedes – que eram perseguidos por pequenos grupos de terópodes, animais semelhantes aos tiranossauros e aos velocirraptores, que também deixaram a sua marca.
Uma das linhas de raciocínio aventada pelos paleontólogos sobre a preservação das pegadas diz respeito às algas verdes e azuis. Tudo indica que a lama recheada por elas formava uma pequena camada de limo sobre a pegada logo após ela ter sido feita. Esses microorganismos continuavam a se reproduzir fortalecendo a camada enquanto houvesse umidade, mas na seca eles morriam deixando um depósito de cálcio que acelerava a petrificação do sedimento, e, por conseguinte, a pegada do animal.
Assim, antes que as chuvas e os ventos pudessem apagar os rastros, as algas naturalmente trabalhavam para a manutenção da rica história em que o gênero Homo (como o Homo sapiens) ainda nem sonhava existir.

Publicado na edição nº 9910, dos dias 5 e 6 de novembro de 2015.