Registros fotográficos de eventos relacionados a mortes não eram comuns nas primeiras décadas do século passado, mas entre as fotografias antigas da cidade de Bebedouro, uma das mais conhecidas refere-se justamente a um funeral, daquele que foi um dos personagens mais emblemáticos na história local, o Coronel João Manoel.
A fotografia em questão mostra a chegada de seu corpo na estação ferroviária, por volta de 10h15 do dia 13 de janeiro de 1930, sendo recebido por numeroso público, entre autoridades e populares, dando início às homenagens que aconteceriam ao longo do dia.
De origem baiana, João Manoel se mudou ainda jovem para o município paulista de São Carlos, transferindo-se para a Vila de Bebedouro em 1889, onde adquiriu propriedade agrícola próxima de onde se formaria o povoado de Andes.
Tendo liderado a formação do diretório local do Partido Republicano Paulista – PRP, exerceu destacado papel político, incluindo a elevação de Bebedouro à condição de distrito, município e comarca, sucessivamente. No período em que esteve no comando da política local, interveio na escolha de vereadores, intendentes e prefeitos. Foi juiz de paz, fundador de loja maçônica e participou de diversas campanhas, inclusive pela construção da Igreja Matriz e pela manutenção da Santa Casa.
Nos meses que antecederam seu falecimento, João Manoel permaneceu na capital paulista, já bastante debilitado por circunstâncias da avançada idade e buscando melhoras para sua saúde. Foi nestas condições que ocorreu o seu passamento, na tarde de 12 de janeiro, na residência de familiares.
Assim que a informação chegou a Bebedouro, na manhã do dia seguinte, por meio de telégrafo, houve consternação geral da população, que fora certificada que a chegada do corpo ocorreria naquela manhã, em vagão especial do trem noturno da Cia. Paulista.
De imediato foi realizada uma reunião na casa do prefeito Antônio Alves de Toledo, com a participação dos membros da Câmara Municipal e das lideranças do PRP, quando foram definidas as principais deliberações: a realização dos funerais a expensas da municipalidade; o decreto de feriado no dia 13 e de luto oficial por três dias; o hasteamento da bandeira nas repartições públicas e entidades; o envolvimento de crepe em sinal de luto em todas a luminárias por onde passaria o corteje fúnebre, bem como no instrumental da banda de música que faria o acompanhamento.
O corpo chegou em luxuoso esquife e foi transportado da estação em direção ao palacete da rua Prudente de Moraes, onde o Coronel residira e onde foi velado por um sem-número de pessoas que lá compareceram para as homenagens finais.
Às 15h30 ocorreu a saída do féretro, tendo à frente os membros da Liga Católica com capas da confraria e empunhando tocheiros, sendo seguido pelo cônego vigário local. Acompanharam também representantes de diversas associações, o Tiro de Guerra, a Banda Popular, membros do PRP, vereadores, autoridades, funcionalismo público, profissionais diversos, membros das igrejas evangélicas, comerciários, professores, estudantes, enfim, representações de todos os segmentos sociais.
O cortejo se deteve primeiramente na Igreja Matriz, onde foram celebrados os solenes ofícios religiosos, com participação de orquestra e coro. Na sequência, seguiu na mesma ordem anterior, percorrendo as ruas São João, Oscar Werneck, João Manoel e Rubião Júnior até o cemitério, onde o sepultamento foi precedido pelas palavras de vários oradores. Sobre a sepultura foram colocadas dezenas de coroas mortuárias enviadas por familiares, poder público, entidades e moradores.
Além das homenagens prestadas durante os funerais, ocorreram outras manifestações: como o fechamento de todos os estabelecimentos comerciais; a suspensão das sessões dos cinemas; o cancelamento dos abates de gado, e o adiamento das aulas nas várias unidades escolares.
Destaca-se ainda o recebimento de centenas de cartas e telegramas de remetentes de diferentes condições sociais e localidades. Quanto ao registro fotográfico, não ficou restrito à foto já citada, mas incluiu outras, desde o cortejo fúnebre nas ruas centrais às exéquias realizadas na Matriz.
O falecimento do Coronel João Manoel representou de certa forma, o final do período histórico dominado pelo PRP, tendo em vista que no final do mesmo ano, Getúlio Vargas assumiria o poder e daria início a outro projeto político, com reflexos em todos os munícipios, inclusive em Bebedouro.
(Colaboraçaõ de José Pedro Toniosso, professor e historiador bebedourense)
Publicado na edição 10.709, de sábado a terça-feira, 22 a 25 de outubro de 2022.