Reminiscências de um funeral histórico: Cel. João Manoel, 13 de janeiro de 1930

José Pedro Toniosso

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Registro - Saída do féretro do Cel. João Manoel, da estação ferroviária em direção ao palacete em que morara, na rua Prudente de Morais, onde aconteceriam os funerais.

Registros fotográficos de eventos relacionados a mortes não eram comuns nas primeiras décadas do século passado, mas entre as fotografias antigas da cidade de Bebedouro, uma das mais conhecidas refere-se justamente a um funeral, daquele que foi um dos personagens mais emblemáticos na história local, o Coronel João Manoel.

A fotografia em questão mostra a chegada de seu corpo na estação ferroviária, por volta de 10h15 do dia 13 de janeiro de 1930, sendo recebido por numeroso público, entre autoridades e populares, dando início às homenagens que aconteceriam ao longo do dia.

De origem baiana, João Manoel se mudou ainda jovem para o município paulista de São Carlos, transferindo-se para a Vila de Bebedouro em 1889, onde adquiriu propriedade agrícola próxima de onde se formaria o povoado de Andes.

Tendo liderado a formação do diretório local do Partido Republicano Paulista – PRP, exerceu destacado papel político, incluindo a elevação de Bebedouro à condição de distrito, município e comarca, sucessivamente. No período em que esteve no comando da política local, interveio na escolha de vereadores, intendentes e prefeitos. Foi juiz de paz, fundador de loja maçônica e participou de diversas campanhas, inclusive pela construção da Igreja Matriz e pela manutenção da Santa Casa.

Nos meses que antecederam seu falecimento, João Manoel permaneceu na capital paulista, já bastante debilitado por circunstâncias da avançada idade e buscando melhoras para sua saúde. Foi nestas condições que ocorreu o seu passamento, na tarde de 12 de janeiro, na residência de familiares.

Assim que a informação chegou a Bebedouro, na manhã do dia seguinte, por meio de telégrafo, houve consternação geral da população, que fora certificada que a chegada do corpo ocorreria naquela manhã, em vagão especial do trem noturno da Cia. Paulista.

De imediato foi realizada uma reunião na casa do prefeito Antônio Alves de Toledo, com a participação dos membros da Câmara Municipal e das lideranças do PRP, quando foram definidas as principais deliberações: a realização dos funerais a expensas da municipalidade; o decreto de feriado no dia 13 e de luto oficial por três dias; o hasteamento da bandeira nas repartições públicas e entidades; o envolvimento de crepe em sinal de luto em todas a luminárias por onde passaria o corteje fúnebre, bem como no instrumental da banda de música que faria o acompanhamento.

O corpo chegou em luxuoso esquife e foi transportado da estação em direção ao palacete da rua Prudente de Moraes, onde o Coronel residira e onde foi velado por um sem-número de pessoas que lá compareceram para as homenagens finais.

Às 15h30 ocorreu a saída do féretro, tendo à frente os membros da Liga Católica com capas da confraria e empunhando tocheiros, sendo seguido pelo cônego vigário local. Acompanharam também representantes de diversas associações, o Tiro de Guerra, a Banda Popular, membros do PRP, vereadores, autoridades, funcionalismo público, profissionais diversos, membros das igrejas evangélicas, comerciários, professores, estudantes, enfim, representações de todos os segmentos sociais.

O cortejo se deteve primeiramente na Igreja Matriz, onde foram celebrados os solenes ofícios religiosos, com participação de orquestra e coro. Na sequência, seguiu na mesma ordem anterior, percorrendo as ruas São João, Oscar Werneck, João Manoel e Rubião Júnior até o cemitério, onde o sepultamento foi precedido pelas palavras de vários oradores. Sobre a sepultura foram colocadas dezenas de coroas mortuárias enviadas por familiares, poder público, entidades e moradores.

Além das homenagens prestadas durante os funerais, ocorreram outras manifestações: como o fechamento de todos os estabelecimentos comerciais; a suspensão das sessões dos cinemas; o cancelamento dos abates de gado, e o adiamento das aulas nas várias unidades escolares.

Destaca-se ainda o recebimento de centenas de cartas e telegramas de remetentes de diferentes condições sociais e localidades. Quanto ao registro fotográfico, não ficou restrito à foto já citada, mas incluiu outras, desde o cortejo fúnebre nas ruas centrais às exéquias realizadas na Matriz.

O falecimento do Coronel João Manoel representou de certa forma, o final do período histórico dominado pelo PRP, tendo em vista que no final do mesmo ano, Getúlio Vargas assumiria o poder e daria início a outro projeto político, com reflexos em todos os munícipios, inclusive em Bebedouro.

(Colaboraçaõ de José Pedro Toniosso, professor e historiador bebedourense)

Publicado na edição 10.709, de sábado a terça-feira, 22 a 25 de outubro de 2022.