Heitor Villa-Lobos, a soprano Nair Duarte (em Bebedouro foi substituída pela cantora Anita Gonçalves) e as pianistas Antonieta Rudge e Lucília Villa-Lobos (da esquerda para a direita) Fonte: Museu Villa Lobos/Ibram. Disponível em https://museuvillalobos.acervos.museus.gov.br/acervo/

A sociedade bebedourense vae ser finamente deleitada, em a noite de hoje, com uma formosa festa de arte realizada pelo grande musicista brasileiro Villa Lobos e pela sua companheira de tournée, a exímia pianista Antonietta Rudge.” Assim a Gazeta de Bebedouro informou a seus leitores sobre a vinda de Heitor Villa Lobos a Bebedouro em 8 de fevereiro de 1931.

Na época, o músico já havia adquirido notoriedade junto ao público brasileiro. Nascido em 1887, na cidade do Rio de Janeiro, Heitor Villa Lobos teve contato com a música desde a infância e até chegar à maioridade aprendeu a tocar diversos instrumentos e demonstrou interesse por diversos estilos musicais, do popular ao clássico.

Com 18 anos viajou pelo Brasil para conhecer as raízes folclóricas da música popular, as quais estariam presentes em inúmeras composições clássicas de sua autoria. Em 1922 participou da Semana de Arte Moderna realizada na capital paulista e na sequência viajou pela Europa, onde apresentou sua obra em diversos concertos.

De volta ao Brasil, entre 1931 e 1932 desenvolveu sob o patrocínio do governo do estado de São Paulo, o projeto “Excursão Artística Villa Lobos”, tendo se apresentado em dezenas de cidades do interior paulista. As cidades contempladas faziam parte da malha ferroviária das companhias Mogiana, Sorocabana, Araraquarense, Central do Brasil, Noroeste e Paulista.

O extenso período das apresentações foi dividido por etapas, referente a cada linha férrea, sendo a da Cia. Paulista a primeira, nos meses de janeiro e fevereiro de 1931, com início na cidade de Campinas e término em Barretos. Desta forma, em Bebedouro aconteceu a penúltima da primeira etapa.

O espetáculo foi aguardado com muita expectativa pelos bebedourenses e o Jornal de Bebedouro também publicou uma matéria na edição de 8 de fevereiro, na qual destacava: “É hoje, finalmente, que vamos ter o gratíssimo prazer de passar algumas horas, suavemente embevecidos, n’um ambiente impregnado da mais pura Arte, que nunca nos foi dado experimentar.”

Considerando a magnitude do evento, o Jornal de Bebedouro não economizou adjetivos para incentivar seus leitores para prestigiarem a apresentação: “Estamos certos de que toda população culta de Bebedouro acorrerá pressurosa ao Theatro Rio Branco, para apreciar e aplaudir os laureados mestres que, n’um gesto de comovente patriotismo vão derramando por todo Interior Paulista, torrentes de harmonias, dimanadas do prodigioso talento musical, com que a Natureza, para honra do Brasil e glória universal, os dotou tão prodigamente.”

A caravana chegaria na manhã do dia do concerto, procedente da vizinha Jaboticabal, e a imprensa local convocava a população para recepcionar os artistas na estação ferroviária: “Foi organizada uma comissão especialmente para lhes apresentar as boas-vindas, porém será digno das nobres tradições da nossa cidade hospitaleira e culta, que o povo concorra em massa à Estação, às nove horas, para receber os excelsos hóspedes, que nos desvanecerão com sua visita.”

Além de Villa Lobos, foi destacada a vinda da ilustre pianista Antonieta Rudge, que participou de todas as apresentações da primeira etapa da Excursão. Nascida em 1885, na capital paulista, Antonieta iniciou muito cedo nos estudos de piano e tornou-se uma referência artística, sendo uma das primeiras mulheres brasileiras a fazer carreira internacional.

Também estiveram em Bebedouro, a esposa do maestro, compositora e pianista Lucília Villa-Lobos, a cantora Anita Gonçalves e um grupo de músicos. Durante toda a Excursão os instrumentos musicais foram transportados pelo trem, inclusive um piano de cauda. Por este motivo o afinador Antônio Chechim Filho acompanhou o grupo em todas as etapas, preparando o piano em cada cidade aonde chegavam.

Assim como ocorreu nas outras apresentações, em Bebedouro os artistas encantaram o público, conforme expressou o professor Orlando França de Carvalho em um artigo: “A senhorinha Anita Gonçalves, direi ter ella um rouxinol enamorado na garganta.” “D. Antonieta Rudge tem uns dedos de fada, […] foi magistral.” “Villa-Lobos fazendo vibrar as cordas dum violoncelo e sua esposa d. Lucília V. Lobos acompanhando-o ao piano, formam uma única individualidade a que muito justamente se pode dar o nome de Perfeição – Um milagre de Arte.”

(Colaboração de José Pedro Toniosso, professor e historiador bebedourense www.bebedourohistoriaememoria.com.br)

Publicado na edição 10.846, de quinta a quarta-feira, 30 de maio a 5 de junho de 2024