Um desafio no caminho da conquista espacial

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Muitos leitores devem ter assistido o filme “2001: Uma Odisséia no Espaço”, obra prima cinematográfica dirigida por Stanley Kubrick e escrita por Arthur C. Clarke. Nela, a vida no espaço já havia se tornado parte das trivialidades humanas. Uma cena bastante comum e muito bem feita mostra um dos astronautas fazendo cooper e boxeando ao ar para se manter em forma. Afinal, mesmo com a conquista espacial concretizada, era necessário manter a forma física.
O homem, hoje, ainda não atingiu a expertise espacial apresentada no filme, apesar de ter avançado significativamente nessa área. As viagens espaciais tripuladas e a construção das estações espaciais como a soviética MIR e a Estação Espacial Internacional, são exemplos desses avanços. Entretanto, um obstáculo ainda intransponível tem sido motivo de preocupação dos cientistas e astronautas do mundo todo: a saúde humana no espaço. Fato é que em todas as missões espaciais, pesquisas com o objetivo de testar a resistência humana têm sido feitas sistematicamente. Pelo menos um ponto positivo pode-se tirar disso: essas pesquisas podem beneficiar também a medicina na Terra.

Os efeitos colaterais

Atualmente os efeitos colaterais relativos à permanência do homem no espaço mais evidentes e estudados pelos pesquisadores, relacionam-se aos problemas do sono, da perda muscular e óssea, da falência do sistema imunológico e dos efeitos à exposição à radiação cósmica.
Pesquisas têm revelado que o relógio biológico do homem não consegue se adaptar aos dias com duração diferentes de 24 horas, como é o caso dos dias em Marte, cuja duração é 24,65 horas. A quebra do ritmo do relógio biológico provoca automaticamente a redução do período de sono dos astronautas, cujas conseqüências são distúrbios de humor, dificuldade de raciocínio complexo e fadiga, entre outros. Pesquisas revelam que no centro do problema do sono está a exposição à luminosidade. Kenneth Wrigth, professor de medicina na Universidade de Harvard e coordenador dos estudos do sono da NASA, tem estudado modelos matemáticos para determinar a necessidade ideal de exposição à luz. Já outra equipe, esta liderada por David Dinges, chefe da divisão de sono da Universidade de Medicina da Pensilvânia, tem investigado o efeito de rápidas sonecas durante o dia, o que poderia minorar o problema da quebra do ritmo do relógio biológico humano.

Encontrando caminhos

Vômitos e enjôos são características relativamente comuns em pessoas expostas à microgravidade do espaço, cerca de 10 mil vezes menor que a gravidade da Terra. Uma outra, mas com sérias conseqüências, é a perda muscular e óssea. Os astronautas chegam a perder 60% da massa óssea numa viagem de longa duração. A reversão dessa massa óssea numa estada de quatro meses no espaço, por exemplo, pode levar até três anos. Soluções recentes para evitar tal perda consistem em submeter os astronautas a sessões diárias de 20 minutos ao uso de placas vibratórias de baixa freqüência. Ainda sem explicação, a baixa freqüência vibratória das placas induz a formação óssea. Outra solução é a máquina de sucção, que puxa o corpo do astronauta para baixo, imitando a gravidade terrestre. Ainda é a única solução que consegue normalizar e distribuir o sangue pelo corpo em condições de microgravidade. Uma outra questão estudada desde 1960 refere-se ao sistema imunológico. Percebeu-se logo nas primeiras viagens ao espaço que os astronautas apresentavam uma quantidade muito superior de vírus, comparada à quantidade na Terra. Pesquisas recentes revelam que a causa pode estar relacionada com o arredondamento das células chamadas linfócitos T, responsáveis por atacar os invasores do corpo humano. Na gravidade da Terra, o linfócito T assume diversas formas; já na microgravidade, ele assume a forma arredondada o que dificulta o seu deslocamento e ação. Ainda não há soluções concretas para este problema.
Por fim, a alta incidência de catarata em astronautas levantou suspeita de que os raios cósmicos podem ter uma influência maior do que pensavam os cientistas sobre o corpo humano. Estudos também indicam que tais raios, por provocarem a ruptura em filamentos do DNA e induzirem a auto-regeneração das células, podem levar ao surgimento de câncer.
Se a tecnologia já não bastasse para dificultar a conquista do espaço pelo homem, surge um outro obstáculo: seu próprio e frágil organismo. Veremos o que a revolução genética pode fazer a respeito.

Publicado na edição nº 10166, de 17 e 18 de agosto de 2017.