
Durante a minha passagem pela Universidade Federal de São Carlos, onde obtive o bacharelado em ciência da computação na década de 1980, pude observar que alguns departamentos daquela instituição possuíam um diferencial financeiro em relação a outros. Lembro-me bem que as aulas eram distribuídas pelo campus (o departamento de computação não possuía salas de aula na época), o que nos permitia conhecer, mesmo que superficialmente, o interior de praticamente todos eles.
O departamento de Química era um dos mais frequentados por nós, seguido pelo da Educação e pela Babilônia (um conjunto de salas de aula independente, localizado próximo ao atual alojamento de alunos).
Em um determinado semestre fomos escalados para ter aulas no longínquo departamento da Engenharia de Materiais. Digo longínquo porque era um departamento afastado dos demais para quem se deslocava a pé pelo campus. Assim, no primeiro dia de aula atravessamos o descampado que separava o departamento da Computação e o da Engenharia de Materiais e chegamos às portas desse departamento. Por fora, praticamente nenhuma novidade: um prédio de concreto de dois andares (térreo mais um andar), coberto por janelas de vidros e protetores externos de concreto para as janelas. A surpresa nos tomou conta ao entrarmos no departamento. Em todas as salas dos professores (cada sala era compartilhada por dois professores) havia um telefone e dois computadores pessoais. Devo lembrar que na época, o departamento da Computação possuía somente um telefone que era compartilhado por todos os professores e membros da secretaria e nenhum (isso mesmo, nenhum!) computador pessoal.
Praticamente todas as salas de aula eram providas de um retroprojetor (naquela época, o melhor recurso audiovisual disponível) e um telão de plástico postado em uma das paredes, prontos para serem utilizados.
Para efeito de comparação, durante os nove anos que ministrei aulas na Uninove durante a década de 2000, praticamente tinha que sair aos tapas com demais professores, toda santa aula, para obter um retroprojetor e manter um mínimo de fluidez na matéria.
Qual era o milagre?
Evidentemente que entender o diferencial de recursos entre o departamento da Engenharia de Materiais e demais departamentos não era uma grande prioridade, se é que era prioridade. Mas, a curiosidade (diga-se inveja) me pegou pelo pé e não me deu sossego até desvendar o mistério por trás da franca situação. Conversa vai, conversa vem, descobri que aquele departamento não dependia de verbas minguadas do governo federal para sobreviver, pois fazia parcerias com empresas públicas e privadas, desenvolvendo projetos de alta tecnologia e angariando fundos sempre direcionados para a melhoria do próprio departamento e de seus corpos docente e discente.
Resultados práticos, o departamento se destacou nacionalmente (por muito tempo era considerado o melhor curso do Brasil), bem como internacionalmente, o que lhe permitiu fazer parceiras com instituições educacionais de primeira linha no mundo.
Duas décadas depois
Coincidentemente em dezembro de 2010 me deparei com um artigo que tratava dos avanços científicos perpetrados pela Universidade Federal de São Carlos, cuja repercussão ecoava mundo afora. Curiosidade à parte, fui checar do que se tratava o artigo, e eis que lá figurava o Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV), vinculado ao departamento de Engenharia de Matérias. Esse laboratório, dirigido pelo professor Edgar Dutra Zanotto, tem atraído inúmeros pesquisadores de renome internacional para as suas dependências. É um verdadeiro sucesso!
Isso nos remete a uma breve reflexão: alguns fazem acontecer, vão em frente e criam a tecnologia do futuro; outros simplesmente esperam sentados a sua criação. Você, caro leitor, em qual turma se encaixa?
(Colaboração de Wagner Zaparoli, natural de Bebedouro, doutor em Ciências pela USP, mestre em Ciência da Computação, professor de lógica e consultor. E-mail: [email protected]).
Publicado na edição n° 9404 dos dias 24 e 25 de maio de 2012.