Há 23 ou 24 milhões de anos, montadas em balsas formadas de forma natural por folhagens e galhos, espécies primitivas de ciganas atravessavam um oceano Atlântico mais estreito do que o atual, partindo da África para a América do Sul, sempre favorecidas por correntes marítimas e ventos que perfaziam o sentido daquele continente para esse continente.
Embora apenas uma teoria, a idéia de que as aves ciganas vieram da África vem ganhando adeptos a cada dia que passa, principalmente em função das descobertas de fósseis de espécies semelhantes, seja aqui no continente sul-americano, seja no continente africano.
Para quem nunca ouviu falar nessa ave, a cigana vive atualmente circunscrita à região do amazonas, sempre margeando os rios em regiões alagadiças e pantanosas.
Polêmica estabelecida
A primeira descrição formal da cigana ocorreu em 1776. Na época a ave foi classificada como sendo parente das galinhas, mas com o passar do tempo ela foi reclassificada na família dos cucos e ainda na família dos turacos, ave africana. Atualmente considera-se a possibilidade de uma ordem própria, os Opisthocomiformes.
Tamanha indecisão sobre a sua classificação se faz devida às características diversificadas que ela apresenta, seja em sua morfologia externa, como em sua fisiologia interna. Possui estatura semelhante à do faisão, com cerca de 60 cm de comprimento, de pescoço e cauda longos e com uma tonalidade de cores que varia do avermelhado claro ao verde acinzentado.
A forma de alimentação a faz única na classe das aves. De natureza herbívora, a cigana se alimenta de folhas e flores de árvores leguminosas, comumente encontradas à beira dos rios, e as rumina num processo semelhante às vacas com as gramíneas dos pastos. Para isso ela possui um sistema digestivo carregado de bactérias simbiontes que ajudam na decomposição da celulose contida nas folhas ingeridas.
Diferentes desde o nascimento
A cigana, também conhecida como Jacu-cigano, tem sua época de reprodução coincidente com as chuvas. Elas constroem os ninhos em galhos de árvores bem à margem dos rios e postam de dois a três ovos por ninhada, que são incubados por cerca de 30 dias.
Os filhotes nascem totalmente dependentes dos pais, mas com um diferencial estratégico importante em relação ao adulto: possuem garras nos pés que os permitem escalar os galhos das árvores em caso de ameaças de predadores, como os macacos ou cobras. Muitas vezes se jogam no rio – são bons nadadores – voltando aos ninhos ao fim do perigo. Ao se tornarem juvenis perdem as garras e ganham plumagem mais bem definida.
Costumam ficar no território de nascimento junto aos pais por alguns anos, ajudando a cuidar das ninhadas subseqüentes, mesmo com a independência funcional de voar e se alimentar.
O berço da vida
Ainda que sem uma resposta definitiva, achados de fósseis de uma cigana primitiva na Namíbia (Namibiavis senutae) indicam que a região africana pode ter sido o berço do surgimento da ave no mundo. A idéia está embasada na análise dos ossos coracoide e fúrcula, este último popularmente conhecido como osso da sorte. Na N. senutae esses ossos ainda não se encontram fundidos, ao contrário da moderna cigana, cujos ossos já perfazem a fusão.
Mas, independentemente do local de seu surgimento e embora ainda fora de ameaças, o fato é que a caça intensa e a degradação das margens dos rios onde vive pode colocar sua espécie em perigo de extinção no futuro, transformando-a em mais uma página da história da ornitologia.
publicado na edição nº 9690, do dia 8º a 9 de maio de 2014.