
Posição de pais contrários à imunização das filhas é comparável ao comportamento das comunidades talibãs.
De 10 a 16 de novembro de 1904, a cidade do Rio de Janeiro, foi palco de revolta popular, conhecida nos livros de história como a Guerra da Vacina. Moradores, principalmente da periferia e de baixa renda, foram radicalmente contra a vacinação obrigatória para evitar varíola, proposta pelo sanitarista Oswaldo Cruz. O assunto que era puramente de Saúde Pública, virou palco político de oportunistas e desinformados.
Mais de 100 anos depois, o rumor sobre pais de adolescentes serem contra a vacinação das filhas contra HPV beira à Guerra da Vacina do século passado. As alegações vão desde suposta ineficiência e até não provados efeitos colaterais. Há também pais que argumentam serem contra a vacinação por motivos religiosos. E por fim, vem o pior dos motivos: que isto vai incentivar as meninas na iniciação sexual.
De Oswaldo Cruz aos cientistas de hoje, a preocupação é com a Saúde Pública. Todos os anos, milhares de mulheres morrem de câncer de útero em decorrência do vírus HPV, transmitido em relações sexuais sem uso de preservativo, inclusive entre os casados.
Não há nenhum caso provado de efeitos colaterais ou morte em decorrência de qualquer vacina. O lado negativo das redes sociais é a propagação de fatos inverídicos que compartilhados à exaustão tornam-se supostas verdades.
Deve-se ouvir os preceitos religiosos, mas como no caso da oposição de Testemunhas de Jeová, contrários à transfusão de sangue, é um dilema médico entre salvar uma vida ou respeitar a fé.
Tanto a Bíblia quanto a Torá, livro sagrado dos islâmicos, têm textos de orientação religiosa, mas não proíbem os avanços para preservar a vida. Não há um versículo qualquer de Jesus recomendando não tomar vacina, e sim, leituras equivocadas do Velho Testamento, principalmente do Livro de Eclesiástico.
Na Idade Média, por interpretação obstusa dos livros sagrados, cientistas foram perseguidos e mortos, e a humanidade sofreu séculos de atraso no desenvolvimento de medicamentos e tratamentos. Se não houvesse mudança dos rumos, inclusive as pessoas que hoje são contra a vacinação contra HPV não teriam nascido. Vacinem as meninas.
Publicado na edição nº 9671, dos dias 18 e 19 de março de 2014.