O combustível para a cognição

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Durante as férias, quando ainda morava em Bebedouro lá pela década de 1970, costumava acordar bem cedo e treinar onde hoje é o campo de futebol da Internacional. Pelo caminho cruzava com vários botecos repletos de bóias-fria se aprontando para pegar os caminhões que os levariam aos grandes laranjais da região. Era muito comum observar o café da manhã que a maioria deles tomava: um copo de pinga, às vezes dois, seguido de um gole de café para aquecer a alma. Vida dura!
Mesmo aqui em São Paulo, nos dias atuais, muitas pessoas não ficam distantes da pobreza alimentar que contempla a primeira refeição do dia. Em geral, comem um pão com manteiga e tomam uma média. Entendem que é o suficiente para aguentar a pauleira do trabalho até o horário do almoço ou, no pior dos casos, é o que se pode comprar com o minguado salário que recebem.
Numa enquete realizada pela globo.com em 2011, sobre o que não poderia faltar à mesa do café da manhã, ficou explícita a dependência do brasileiro em relação aos alimentos básicos: 26% dos votos foram para o pão, 25% para o café e 23% para o leite. Frutas, sucos, ovos e carnes ficaram abaixo da casa da dezena.

Evidências da ciência
Mudar um hábito alimentar não é algo trivial de se realizar, principalmente se ele estiver enraizado por toda uma vida. São necessários estímulos fortes, normalmente uma doença, para que comecemos a nos adaptar a algo novo, diferente.
A educação, desde cedo, não deixa de ser um caminho alternativo, menos pesaroso. A criança deve entender que a nutrição é fator de extrema importância para a saúde física e mental.
Por inúmeras pesquisas realizadas no mundo se sabe que o café da manhã interfere na cognição e no aprendizado, principalmente dos pequenos. Um estudo referencial realizado nos Estados Unidos pela Universidade de Boston, examinou os efeitos da merenda servida antes das aulas no desempenho de 1.023 alunos de baixa renda, da terceira à quinta série. Para aqueles que participaram do estudo consumindo um desjejum equilibrado, ficou evidenciada uma melhora significativa nas pontuações de matemática, leitura e vocabulário, sem contar a sensível diminuição das faltas e atrasos.
Em outra parte dos Estados Unidos – Minnesota – o Programa Universal de Desjejum nas escolas apresentou também aumento geral nas pontuações compostas de matemática e leitura, além de melhorias no comportamento, redução das visitas matinais à enfermaria e no aumento da assiduidade.
Já no Reino Unido um teste realizado com 29 crianças pela Universidade Nortúmbia, dividiu aquelas que tomaram desjejum com cereal e aquelas que tomaram um desjejum somente com bebida adocicada ou nem o tomaram. Todas elas foram submetidas a uma série de testes computadorizados conduzida aos 30, 90, 150 e 210 minutos após o desjejum. Os resultados indicaram, naquelas que tomaram somente a bebida adocicada ou não tomaram nada, um declínio na atenção e na memória, comprovando que uma refeição rica em carboidratos complexos ajuda a manter o desempenho mental.
Um túnel sem luz
No Brasil, como diz a língua laica, o buraco é mais embaixo. Mesmo se todas as crianças do país de quatro a cinco anos tomassem um café da manhã sustentável, mais de um milhão delas não conseguiria tirar proveito educacional, pois está fora da escola. Se aumentarmos a faixa etária para os 17 anos, o número de “foras da escola” atinge a casa dos quatro milhões. Sem contar que mais da metade dos alunos do 3º ano do ensino fundamental não consegue resolver uma conta de mais ou de menos e quase metade não consegue encontrar informações num texto escrito.
Entretanto, a premissa da sustentabilidade alimentar não poderia ser mais falsa. De acordo com a Unicef a cada cinco minutos morre uma criança brasileira resultante da doença da fome. Cerca de nove por cento delas nem chega ao primeiro ano de vida.
Para o país que é o quinto em extensão territorial e a sexta economia do mundo, essas notícias não poderiam ser mais avassaladoras. Em um ano eleitoral, a fome certamente se transformará em bandeira demagógica agitada habilmente para fisgar o inocente eleitor, que embrutecido pela ignorância lhe imposta pela desigualdade social, rogará por uma migalha para continuar a vida a duras penas.
E assim o ciclo continua: o pobre eleitor coloca a safadeza no poder, que por sua vez mantém a pobreza do eleitor. E fica tudo combinado!

(Colaboração de Wagner Zaparoli, natural de Bebedouro, doutor em Ciências pela USP, mestre em Ciência da Computação, professor de lógica e consultor. E-mail: [email protected]).

Publicado na edição n° 9438, dos dias 16 e 17 de agosto de 2012.