O mistério dos geoglifos acreanos

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Os glifos – desenhos simbólicos gravados em relevo – parecem acompanhar algumas sociedades há muito tempo. Por volta de 1930, quando se iniciaram os voos sobre o sul do Peru, especificamente sobre o deserto de Nazca, foram observados enormes desenhos feitos em baixo-relevo sobre o solo do deserto. Na época, antropólogos iniciaram estudos para entender o significado dos peixes, aves, animais, figuras humanas e geométricas que populavam uma área de cerca de 500 quilômetros quadrados, datada de 400 d.C.
Embora muito se falasse sobre tributo aos deuses, fins astronômicos ou cosmológicos, até hoje não se sabe exatamente os motivos que levaram os povos de Nazca a empreenderem tamanha obra de arte. Embora simples, as figuras são muito grandes – chegam a contemplar uma área de quase 300 metros cada uma – e foram feitas retirando-se pedras do solo arenoso, deixando uma superfície mais clara à mostra, o que evidencia as famosas linhas de Nazca.

Do sul peruano para o sul acreano

A década de 1970 foi uma época de abertura para o estado do Acre. Grandes florestas começaram a ser desmatadas para dar lugar à atividade agropecuária, pondo à vista retratos antes completamente desconhecidos: os geoglifos acreanos.
Até 2003 acreditava-se que as elipses, os círculos e os quadrados circunscritos eram resultado do trabalho de sociedades que ali viveram por volta dos séculos XIII e XIV. A partir de 2005, novos estudos realizados pela arqueóloga Denise Schaan, da Universidade Federal do Pará, ampliaram a cronologia da cultura amazônica dos geoglifos, cujo início se definiu como ocorrido há mais de 2 mil anos.
A nova datação, realizada a partir de restos de carvão queimado encontrados numa camada geológica rica em pedaços de cerâmica na região dos geoglifos, não deixou de ser surpresa para Schaan e equipe, pois nenhum dos sítios estudados num raio de 20 quilômetros daquela região forneceu elementos de que ali viveram quaisquer tribos há mais de 500 anos. Em outras palavras, encontrou-se a obra, mas não o artista.

Objetivos difusos

Diferentemente dos geoglifos peruanos, cuja profundidade é medida em poucos centímetros, os geoglifos acreanos possuem profundidade das valetas que variam de 35 cm a 5 metros, amplitude de 1,75 a 20 metros e área interna com cerca de 1 a 3 hectares. Em tese, para as referidas construções serem elaboradas seria necessária uma sociedade complexa, com alguns milhares de habitantes.
Como dito, ainda não se encontrou os vestígios desses habitantes e tão pouco os motivos que os levaram a construir tais elementos no solo. Embora na Europa, há aproximadamente 10 mil anos, fosse comum aldeões cercarem suas casas com valetas e muretas, na Amazônia dificilmente ocorria tal situação, o que se leva a crer que ali não existiu um grande império que cultuava deuses geométricos, mas sim, alguns povos seminômades e espalhados por pequenas aldeias que compartilhavam práticas culturais como a elaboração de geoglifos.
Tacanas e Aruaques, povos que hoje habitam a região, são tomados como descendentes daqueles antigos que construíram os geoglifos. Entretanto, atualmente ambos não guardam mais a tradição e não há vestígios concretos de que um dia o fizeram, tamanha a incerteza que paira sobre a origem das obras.
Fato é que pesquisadores têm plena consciência do enorme trabalho a seguir na busca de novos vestígios que possam indicar um caminho mais efetivo. E esse é o grande desafio da arqueologia, que vive das pequenas migalhas que a natureza preservou por milhares ou milhões de anos e que um dia poderão mudar o curso da história e do conhecimento da humanidade.

(Colaboração de Wagner Zaparoli, natural de Bebedouro, doutor em Ciências pela USP, mestre em Ciência da Computação, professor de lógica e consultor. E-mail: [email protected]).