Uma vez, na América

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Parece-nos, pela realidade do cotidiano, que nossa sina é viver buscando respostas para eternas dúvidas. Deixando de lado as idéias e teorias metafísicas e fincando o pé na razão científica, sempre perguntamos como surgiu o universo e tudo o que há nele, incluindo nós mesmos. Essas dúvidas relacionadas às origens das coisas de fato ainda não foram respondidas, apenas resvalaram em teorias inseguras promovidas pela ciência. De outro modo a ciência por sua vez já conseguiu desvendar inúmeros mistérios tanto do céu como da Terra de forma empiricamente comprovada.
De fato, o homem nunca mediu esforços para entender a si próprio e o ambiente em que vive. E nesse processo de entendimento, uma questão tem desafiado o bom senso dos pesquisadores: como o homem chegou ao continente americano?
Talvez a resposta que nos venha de imediato sem muito pensar diz que o homem surgiu na América como surgiu em várias outras partes do mundo. Mas contrapondo o senso comum, teorias aceitas pela comunidade científica dizem que o homem não surgiu na América e sim, chegou à América vindo de outras partes do planeta.
Sabe-se que o berço dos antepassados do homem há cerca de 7 milhões de anos, foi a África. A chegada do homem ao continente americano, entretanto, faz parte de uma história arqueológica bem mais recente, em torno de 11 mil a 14 mil anos. Uma diferença relevante que põe fim ao imaginário humano de que o continente em que vivemos também foi o berço de nossos remotos antepassados.

A chegada do homem à América

Há pouco mais de uma década a teoria predominante sobre a chegada do homem ao continente americano denominava-se “Modelo Clovis”. Tal teoria, muito difundida entre os pesquisadores norte-americanos, dizia que o homem havia ocupado o continente em torno de 11.400 anos atrás. A característica principal desse homem era a caça a dois grandes mamíferos, o mamute e o bisão. Utilizava algumas ferramentas como o arpão e a lança que continham pontas de pedra e bases com acanaladura. Provavelmente chegou à América vindo do nordeste da Ásia através do Estreito de Bering numa época em que o nível do mar na região era menor do que o atual, e, portanto, expunha faixas de terras que ligavam o norte da Sibéria ao Alasca.
Apesar de profundamente cultuado pelos cientistas norte-americanos, o Modelo Clovis sofreu a partir dos anos 70, revezes que determinaram o fim de seu reinado como teoria univocamente aceita para a chegada do homem à América. Vários sítios arqueológicos pesquisados na América do Sul, incluindo o Brasil, apresentaram datações no mínimo tão antigas quando as do Modelo Clovis, sem, contudo, apresentar as características dessa última – instrumentos de caça com bases acanaladas. Essa evidência tornou a questão do homem na América um pouco mais complexa do que já era, pois em épocas contemporâneas a América poderia ter sido colonizada por povos de diferentes culturas.

Sítios sul-americanos

As pesquisas sobre a chegada do homem à América do Sul nos remetem a dois importantes sítios arqueológicos: um no Chile, outro no Brasil. Tom Dillehay, pesquisador da Kentucky University (EUA), publicou em 1997 os resultados de sua pesquisa realizada em Monte Verde, situado no Sul do Chile. Ele demonstrou que o homem já estava na região no mínimo há 12.300 anos. Por sua vez, Anna Roosevelt, pesquisadora do Field Museum de Chicago (EUA), pesquisou o sítio arqueológico de Pedra Pintada, município de Monte Alegre (Pará). Também chegou a conclusões semelhantes às de Dillehay: já havia humanos vivendo na floresta Amazônica há 11.300 anos. O interessante dessas pesquisas é que as características morfológicas do homem da Cultura Clovis (norte-americana) são diferentes das características do homem que vivia na América do Sul. Tais diferenças fizeram surgir uma nova teoria denominada “Modelo dos Dois Componentes Biológicos Principais”, ignorada, entretanto, por boa parte de cientistas norte-americanos, mas defendida por outros como o brasileiro Walter Alves Neves, coordenador do Laboratório de Estudos Humanos, da Universidade de São Paulo. Em sua opinião, pelo menos dois, e não somente um tipo de população chegou à América utilizando o Estreito de Bering (ou via terra ou via mar litorâneo).
Como estudos ainda estão sendo conduzidos em torno dessa última teoria, talvez sejam prematuras quaisquer conclusões. Mas Neves afirma que todos os indícios depõem a favor da multiplicidade de raças colonizadoras da América.

Publicado na edição nº 10115, de 11, 12 e 13 de abril de 2017.