Peles artificiais para o bem dos animais

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A utilização de animais em experimentos científicos já faz história há muito tempo. Desde o grego Hipócrates em 500 a.C. a Galeno em 200 d.C., muitas dissecações levaram luz aos fundamentos da fisiologia. Exemplo explícito foi o de Marcello Malpighi, anatomista italiano que viveu entre os anos de 1628 e 1694. Durante anos ele utilizou largamente animais para entender e descrever as várias estruturas anatômicas que compõem o corpo. Começando pelos sapos e posteriormente usando humanos, Malpighi descobriu a rede de capilares pulmonares e sua principal função, as trocas gasosas. Também estudou a pele, o fígado, os rins e o cérebro. É creditada a ele a identificação dos glóbulos vermelhos e sua correlação com a coloração sanguínea.

Do início da revolução científica aos dias atuais, a experimentação de animais em laboratório passou a ser tratada em escala, de forma sistemática e organizada. Não só para a criação de medicamentos, mas também para a elaboração de novos modelos cirúrgicos e para a definição de novas terapias genéticas, os animais passaram a ser peça chave nos estágios de liberação do produto ou serviço para o mercado.

Na segunda metade da década de 1950 um evento singular fez introduzir uma nova dimensão nas pesquisas desenvolvidas pela indústria farmacêutica, a qual faria reforçar o uso de animais em testes laboratoriais pelo mundo: a segurança medicamentosa.

Especificamente em 1957 a Talidomida entrou no mercado pela primeira vez na Alemanha como um sedativo e antiinflamatório de poucos efeitos colaterais. Em pouco tempo o medicamento era utilizado em boa parte do mundo, sendo indicado inclusive para combater enjôos matinais muito comuns em mulheres grávidas. O fato é que o processo de testes da talidomida ignorou os efeitos teratológicos – má formação fetal – antes de chegar ao mercado. Em poucos anos milhares de crianças nasceram com sérios problemas de saúde devido a ela, o que foi confirmado a posteriori, com a realização de testes em coelhos e primatas.

Do uso ao combate

É difícil conhecer os números que envolvem animais em experimentação. Talvez milhares ou milhões, o fato é que sem eles provavelmente o conhecimento acerca da fisiologia, farmacologia e patologia jamais chegaria aos níveis de desenvolvimento atuais. Eles ainda são considerados os modelos mais semelhantes aos humanos que se tem para o desenvolvimento de pesquisas científicas em saúde, às quais já salvaram e ainda salvam milhares de vidas pelo mundo. É o que afirmam os cientistas.

A despeito dessa importância potencialmente revelada, boa parte da população é contra esse princípio. No Brasil esse número chega a 41% e as justificativas são as mais variadas, desde a crueldade pela qual passam os animais, até a ineficiência dos testes e atrasos no desenvolvimento da ciência.

Embora não exista uma legislação única que reja a experimentação com animais, cada país, ou em escala mais granular, cada estado, pode criar a sua própria lei, como fez o estado de São Paulo, que sancionou a lei 777/2013 que proíbe a utilização de animais para desenvolvimento, experimentos e testes de produtos cosméticos, higiene pessoal, perfumes, e seus componentes.

Desafios futuros

Fraunhofer IGB é um instituto alemão dedicado à ciência aplicada antenado aos desafios cada vez maiores que laboratórios espalhados pelo mundo têm encontrado no uso de animais em experimentos. Em 2007 ele iniciou um processo produtivo de peles artificiais para a realização específica de testes que certificam que produtos de beleza não causam alergia ou irritação na pele humana. Atualmente o instituto está capacitado para atender demandas não só de peles, mas também do sistema que as cria. Se essa produção, dados os limites técnicos, não elimina totalmente a necessidade de animais em experimentos, ao menos mitiga o seu uso pela indústria de cosméticos que agora tem essa nova alternativa à disposição.

É um começo promissor para que os animais, em futuro não tão distante, deixem de servir de cobaias para a salvaguarda do bem estar dos humanos. Afinal, que direito temos nós de fazermos o que fazemos com os animais, diante dessa grandiosa e desafiadora natureza?

Colaboração de: Wagner Zaparoli, doutor em ciências pela USP, professor universitário e consultor em tecnologia da informação.

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Leia mais na edição nº 10258, de 3 a 7 de maio de 2018.